
Desfile das escolas de samba do RJ e SP — BOLÃO DA VIRADOURO/GRANDE RIO NO AR
Por
lucas #DB2, em Cinema e TV
51.359 posts neste tópico
Posts Recomendados
Recomendado
2006: Pulsando el corazón, Vila Isabel baila La Bamba e atropela favoritas
Depois de muitos anos de espera, finalmente as escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro ganharam um espaço definitivo para a confecção de alegorias e fantasias: localizada no bairro da Gamboa, Zona Portuária, a Cidade do Samba finalmente foi inaugurada em setembro de 2005. Restava ver como cada agremiação aproveitaria o novo local.
Por outro lado, outra novidade a meu ver seria péssima para os desfiles: em 2006 e 2007, duas escolas seriam rebaixadas em vez de uma, mas apenas a campeã do Acesso continuaria subindo para o Grupo Especial. O objetivo era reduzir a elite do Carnaval a apenas doze agremiações em 2008 e permanecer com esse número. A meu ver, uma enorme bobagem, pois reduziria muito a chance de escolas menos tradicionais chegarem à elite e deixaria o Especial com pouca rotatividade entre as agremiações.
Fora desse risco, a tricampeã Beija-Flor escolheu como enredo a cidade mineira de Poços de Caldas e suas águas. Já a Unidos da Tijuca tentaria finalmente seu primeiro título em 70 anos com um tema interessantíssimo: as sensações que o som e a imagem despertam no homem. A Acadêmicos do Grande Rio optou por protestar contra uma possível invasão da Amazônia e prometia exaltar a região.
Depois do leve enredo de 2005, a Imperatriz Leopoldinense voltou a escolher um tema histórico: Giuseppe Garibaldi e o estado de Santa Catarina – uma vez mais a escola receberia patrocínio. O Salgueiro também mudou radicalmente de temática e levaria para a Sapucaí os pequeninos organismos e acontecimentos humanos que não podem ser vistos a olho nu. A Estação Primeira de Mangueira faria um passeio pelo Rio São Francisco e a Unidos do Porto da Pedra homenagearia as mulheres.
A Unidos do Viradouro exaltaria a arquitetura brasileira, enquanto a Mocidade Independente de Padre Miguel celebraria seu cinquentenário e a Unidos de Vila Isabel teria como tema a latinidade. O Império Serrano levaria para a avenida o sincretismo religioso do Brasil. Já a Caprichosos de Pilares faria uma passagem pelo Espírito Santo. A Portela, depois do descalabro de 2005, levaria para a Sapucaí a formação do povo brasileiro e a emergente Acadêmicos da Rocinha teria uma mensagem de que não basta dinheiro para se conseguir a felicidade.
OS DESFILES
Se em 2005 a Mocidade foi “agraciada” com o direito de começar os desfiles, em 2006 coube ao Salgueiro a difícil tarefa de ser a primeira escola de domingo. Apesar de ter feito um desfile frio, a Vermelho e Branco foi correta na abordagem do enredo “Microcosmos: O que os olhos não veem, o coração sente”, dos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lávia.
O enredo era um olhar do homem sobre os microorganismos que formam as nossas vidas, desde os principais elementos da natureza até o corpo humano. Gostei do abre-alas, que tinha um globo ocular com uma tela em que eram reproduzidas imagens de partículas e células humanas.
Agradou também a alegoria “Viagem Insólita”, sobre o corpo humano, com muitas luzes, bem ao estilo Lage, assim como o “Maior Espetáculo da Água”, com o que não vemos nas águas, além da presença de cavalos marinhos, algas e medusas.
Outro ponto de destaque foi o retorno da porta-bandeira Rita ao Salgueiro, tendo ao lado o grande mestre-sala Ronaldinho. Já o samba era uma junção entre duas obras finalistas e não me agradou tanto. Por outro lado, a bateria de Mestre Marcão teve boa atuação, com destaque para a bossa com surdos reproduzindo um coração no verso “Na batida de um coração”. De qualquer forma, o desfile foi frio, já que o samba não era empolgante e o público ainda não estava no pique.
Segunda escola a desfilar, a Acadêmicos da Rocinha teve inúmeros problemas e o enredo “Felicidade não tem preço”, que mostrava o que as pessoas são capazes de fazer pelo dinheiro, não rendeu o que poderia. Todo o trabalho do jovem carnavalesco Alex de Souza foi comprometido por um temporal que desabou sobre a Sapucaí quando a escola passava, além de uma direção de Harmonia que não estava preparada para o gigantismo das alegorias.
Houve diversas quebras de alegorias e as fantasias ficaram pesadas com a água. Com isso, o quesito Evolução foi um desastre absoluto e a escola estourou em seis minutos os 80 regulamentares, o que causaria uma perda de 1,2 ponto na apuração. Uma pena, porque os componentes evoluíram com muita garra e o conjunto visual da escola passava a ideia do enredo com correção.
Ainda sob chuva, mas menos intensa, a Imperatriz Leopoldinense desfilou com o requinte e luxo de costume na apresentação do enredo “Um por todos e todos por um”, da carnavalesca Rosa Magalhães. Mas, apesar de alguns bons momentos, a escola de Ramos acabou devendo.
O enredo contava a história do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, baseada nas palavras de Alexandre Dumas, o mesmo de “Os Três Mosqueteiros”. Garibaldi foi expulso da Itália e se apaixonou por Anita no Brasil, onde ambos viveram saga em Santa Catarina. As fantasias eram bonitas e muitas representavam animais, mas houve queda de pedaços por causa da chuva. Por outro lado, agradou a divisão cromática, com preto, rosa, azul e laranja, além do verde, claro.
As alegorias agradaram, com destaque para o carro que retratava Nice, cidade natal de Garibaldi, com extremo luxo e bom gosto, além do elemento que retratava os vilarejos catarinenses. Outro ponto positivo foi a comissão de frente, com espadachins montados em cavalos (que tinham rodas) simbolizando os mosqueteiros.
No entanto, o samba-enredo não pegou entre os componentes e público, sem contar que houve problemas de evolução, o que comprometeria a briga pelas primeiras colocações. Já a bateria do estreante Mestre Jorjão teve a estreante rainha de bateria Luciana Gimenez, o que fez os gresilenses sentirem saudade da eterna Luiza Brunet, que ficou fora do desfile. Foi uma apresentação bonita da Imperatriz, mas bastante irregular.
Quarta a desfilar, a Caprichosos de Pilares deixou muito a desejar na sua apresentação. O enredo “Na folia com o Espírito Santo, o Espírito Santo caprichou” falava sobre o estado mas exaltava a produção de chocolate com direito a “merchan” explícito da Garoto no samba-enredo, que era fraco, diga-se de passagem.
Assim como havia acontecido em 1996, quando a Caprichosos falou sobre o chocolate (e caiu), a escola teve uma divisão cromática pesada e o enredo não caiu no gosto popular. Para piorar, a evolução foi problemática e uma ventania simplesmente fez os chapéus das baianas voarem no meio da pista. Desfile com risco de rebaixamento.
A Unidos de Vila Isabel entrou com força na avenida para defender o enredo “Soy loco por ti America: A Vila canta a latinidade”, do carnavalesco Alexandre Louzada. A escola teve uma polpuda verba da estatal petrolífera venezuelana PDVSA (R$ 900 mil à época, segundo consta) e aproveitou bem a grana para fazer uma das melhores apresentações do ano no conjunto ao exaltar o povo da América Latina.
Mas a Azul e Branco do bairro de Noel não contou com Martinho da Vila em 2006. O grande compositor ainda estava magoado por ter tido seu samba preterido nas eliminatórias pela obra de André Diniz, que era valente mas recebeu críticas por ter diversos termos em espanhol como “corazón”, “sin perder la ternura” e “arriba”. Fato é que o samba funcionou muito bem na avenida, com uma atuação de muita garra do cantor Tinga.
A comissão de frente representava as bananas e a tradicional coroa da Vila Isabel desfilou logo a seguir como um tripé, com os frutos formando o elemento numa interessante solução – havia uma abertura e fechamento das bananas, como se fossem descascadas na pista, o que rendeu um bom movimento.
O grandioso carro abre-alas tinha sessenta componentes e uma enorme serpente dourada representando o México, e mostrava ainda aspectos da arquitetura asteca. Em seguida, a Vila mostrou como era vivia o povo do continente americano na fase pré-colombiana, antes da chegada dos espanhóis, com fantasias bem adequadas ao enredo.
Gostei muito do segundo carro, chamado “O Senhor do Sipán – O Apogeu do Império Inca”, também predominantemente dourado, com uma típica e grande estátua inca e extremo luxo e bom gosto. Menos luxuoso, mas impecavelmente realizado, estava a alegoria “A Riqueza Cultural dos Nativos Brasileiros”, com uma enorme oca, diversos índios e ainda a cerâmica marajoara representada por belas esculturas de vasos.
A alegoria “Rumo aos Mares, em nome Del Rey e da Fé” era muito inteligente, pois colocava os colonizadores espanhois como caveiras numa enorme embarcação que simbolizava a chegada ao continente – sabemos bem como as civilizações que viviam nessa época foram dizimadas pelos invasores. Outro elemento homenageava Simon Bolívar, o grande revolucionário e libertador do continente – esperava-se que o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, assistisse ao desfile na Sapucaí, mas isso não aconteceu.
A bateria de Mestre Mug esteve com andamento veloz, mas sem exageros, e com marcações muito bem definidas, além de ótimas bossas e paradinhas. O samba, apesar de pro meu gosto não ser dos mais inspirados do ano ou da própria Vila Isabel, como já escrito aqui funcionou bem para a harmonia da escola. A evolução não foi perfeita, mas não teve descompassos absurdos. Um momento de emoção foi a passagem de Joãozinho Trinta num carrinho elétrico – o carnavalesco era um dos autores do enredo de 2005 e recebeu apoio da escola depois que sua saúde piorou.
Até aquele momento, foi sem dúvida o melhor desfile do ano, mesmo com pequenas falhas. Mas a Vila se credenciava com força a brigar por uma vaga ao menos no sábado das campeãs e até poderia sonhar mais alto dependendo das demais apresentações.
Penúltima escola a desfilar na primeira noite, a Acadêmicos do Grande Rio fez uma boa exibição no conjunto da obra ao levar para a avenida o enredo “Amazonas: o Eldorado é aqui”. Alegorias e fantasias contaram corretamente o enredo bem desenvolvido pelo carnavalesco Roberto Szaniecki, que preferiu fugir do lugar-comum das conhecidas histórias da Amazônia. Mas a escola cometeu falhas que poderiam ser fatais na apuração.
Para começar, a comissão de frente fez uma passagem muito lenta, já que os índios e colonizadores eram cercados por elementos alegóricos simbolizando leques e ocas, o que travou a evolução. Os componentes demoraram a chegar ao fim da pista e isso já causou um atraso na evolução dos demais. Para piorar, as alegorias, embora bonitas e adequadas ao enredo, eram muito grandes e difíceis de serem manobradas.
Um dos carros, por exemplo, era chamado “Nhangoron, o espírito protetor das florestas” e era acoplado com uma aranha formando uma teia e em seguida a floresta amazônica cercada por esculturas de colonizadores. Este elemento, apesar de visualmente muito bem resolvido, era enorme, o que atrapalhava o andamento das alas que o seguiam.
As alegorias que mais agradaram foram as do “Teatro Amazonas, Cultura Europeia no Centro da Floresta”, com uma representação muito adequada do local e bastante verde e amarelo, e a “Riqueza do Amazonas”, com muito verde, mostrando a floresta em si e passando a mensagem de que o Brasil precisava proteger o local do desmatamento e da própria cobiça estrangeira.
O samba era agradável e contava bem o enredo, além de ter tido uma boa condução por parte de Bruno Ribas no seu único ano na escola. A bateria do brilhante Mestre Odilon voltou a mostrar uma cadência maravilhosa e apresentou paradinhas e bossas muito criativas, o que valorizou ainda mais o samba. Mas, infelizmente, a lentidão do começo e meio do desfile fez os componentes das últimas alas correrem demais e, mesmo assim, a escola terminou seu desfile com 81 minutos, um além do regulamentar, o que renderia uma perda de 0,2.
Foi uma bonita passagem da Grande Rio, mas, pelos problemas apresentados e a punição por cronometragem, a sensação clara era a de que a Tricolor ficaria atrás da Vila Isabel na apuração e uma vaga no desfile das campeãs poderia ser até ameaçada.
A tricampeã Beija-Flor de Nilópolis entrou na avenida já com o dia claro e fez uma correta, mas fria exibição. O enredo “Poços de Caldas: derrama sobre a terra suas águas milagrosas – Do caos inicial à explosão da vida” foi bem apresentado pela comissão de carnaval, mas, se em 2005 a escola foi um rolo compressor na pista, em 2006 não fez um desfile arrebatador.
A comissão de frente desta vez não me agradou tanto, pois a coreografia simbolizando a criação do universo e do planeta água foi um tanto confusa e cansativa. Também não gostei do excesso de alas coreografadas, pois, se em anos anteriores, elas funcionaram muito bem pelas propostas dos enredos, desta vez foram evoluções um tanto monótonas.
A escola usou e abusou da água (foram 30 mil litros) nos bonitos elementos alegóricos, com destaque para o carro “Reino de Netuno – Lendas, Mitos e Mistérios”, com lindas esculturas e representações do fundo do mar, em acabamento impecável. Mas o melhor foi o elemento “Poços de Caldas, a cidade das águas, a nova Atlântida”, com os índios cataguases que viviam na região de Poços de Caldas há alguns séculos. A cidade também era mostrada como palco do “Big Bang”, ou seja, a criação do mundo.
Uma das mensagens da Beija-Flor era a de que Poços de Caldas seria uma cidade que ajudaria na tão sonhada busca do equilíbrio da humanidade e o símbolo dessa ideia era o carro alegórico “O Retorno dos Atlantes, o equilíbrio do planeta”, de concepção um pouco mais moderna, já que o avanço da humanidade só seria conquistado com respeito à natureza.
Gostei das fantasias, muito luxuosas e adequadas ao enredo. A escola também esteve impecável nos quesitos Harmonia e Evolução, mas o samba, embora descrevesse bem o enredo não era tão bom quanto os de 2004 e 2005. Já a bateria de Mestre Paulinho novamente esteve com cadência perfeita. A Beija-Flor encerrou seu desfile com possibilidades de um bom resultado pelo desempenho correto na maioria dos quesitos, mas não passou a sensação de título como em 2005.
A Unidos do Porto da Pedra abriu a segunda noite de desfiles numa bonita mas tumultuada homenagem às mulheres. O enredo “Bendita és tu entre as mulheres do Brasil” mostrava como as mulheres ganharam importância na sociedade e o carnavalesco Cahê Rodrigues dividiu as alas e setores com bastante coerência. Mas os problemas foram tantos que os bons momentos da escola acabaram ficando em segundo plano.
O interessante abre-alas mostrou uma tigresa com seu filhote e em seguida a escola abordou corretamente como a mulher era posicionada na excludente sociedade de antigamente. O conjunto alegórico não era tão luxuoso quanto os de outras escolas, mas passava bem o enredo. Gostei do setor que abordou a luta das mulheres por direitos iguais aos dos homens.
Curiosamente, o mediano samba-enredo, que esteve excessivamente cadenciado na gravação do CD, se mostrou aceleradíssimo na avenida por causa da bateria. Mas a ótima atuação do cantor Luizinho Andanças ajudou a harmonia e os desfilantes cantaram com garra. Mas problemas com diferentes alegorias atravancaram a evolução da escola, que apertou demais o passo e quase estourou os 80 minutos regulamentares. Desfile com risco de rebaixamento também.
Houve problemas com carros da Porto da Pedra na dispersão e isso gerou um enorme atraso de 1h20 para a entrada da segunda escola da noite, a Estação Primeira de Mangueira. A espera do público acabou valendo a pena pois a Verde e Rosa fez uma grande exibição, que a consolidou com uma das melhores escolas do ano. Depois do frio e decepcionante desfile de 2005, o carnavalesco Max Lopes acertou na concepção do enredo “Das águas do São Francisco, nasce um rio de esperança”.
A comissão de frente trazia um interessante tripé representando uma carranca que se transformava em barco com bandeiras desfraldadas ora como mar, ora como bandeira da Mangueira. Os componentes liderados por Carlinhos de Jesus fizeram uma bela coreografia, os homens com redes de pescadores e as mulheres, com saias coloridas como no quadro de Portinari. Em seguida uma ala repleta de embarcações como adereços causou belo efeito.
O primeiro carro, que tinha a atriz Dira Paes como destaque, representava os índios tupis e havia belas esculturas. Aliás, Max Lopes brilhou ao mesclar materiais mais baratos como palha e outros mais brilhantes em outros carros. No segundo elemento, chamado “Lendas e Mistérios do Velho Chico”, o verde predominava e havia uma enorme cobra d’água com uma belíssima sereia na ponta – milhares de litros de água deram maravilhoso efeito.
Max Lopes acertou ao utilizar diversos adereços de mão e tripés simbolizando o artesanato da região do São Francisco, além das frutas e peixes, sustento da população local, presentes na alegoria sobre o mercado flutuante. Agradou bastante a alegoria chamada “A Festa aos Reis”, que simbolizava a folia de Reis, bastante tradicional na região. Uma belíssima ala, maravilhosamente vestida, representava a festa do senhor dos navegantes.
A escola utilizou de forma sutil o enredo para abordar a transposição do Rio São Francisco e foi bem-sucedida, sem transparecer algo político, o que se temia. A Verde e Rosa ainda passou na última alegoria (“Senhor, fazei-me um instrumento da vossa paz”) a mensagem de que o rio era fundamental para a união do povo brasileiro, com os baluartes como destaques.
O samba-enredo, que não era tão cotado assim na fase pré-carnavalesca, teve excelente desempenho na avenida, com Jamelão cantando pela última vez (veja em Curiosidades), mas com a categoria de costume. A bateria de Mestre Marrom esteve com bom andamento e, mesmo mais discreta nas bossas e paradinhas do que em 2005, foi competente na maior parte das convenções. Mas a bateria atravessou exatamente em frente a uma das cabines de jurados, a ponto de o então Presidente Alvinho ter adentrado a mesma para dar uma bronca homérica em alguns diretores.
Com os componentes empolgados, a Mangueira chegou à Apoteose sob gritos de “é campeã” e se credenciou a brigar pelas primeiras colocações, já que, além de ter mostrado muita beleza e coerência na apresentação do enredo, foi de fato a primeira escola a empolgar o público na Sapucaí.
Outra que se credenciou à briga pelo topo foi a Unidos do Viradouro. O enredo “Arquitetando Folias” teve a concepção dividida entre os carnavalescos Mário Monteiro, Kaká Monteiro e Milton Cunha e comemorava os 500 anos da arquitetura no Brasil. A escola não esteve tão luxuosa como nos anos anteriores, mas isso estava totalmente de acordo com a proposta do enredo, com alegorias menores do que as de Vila Isabel, Grande Rio, Beija-Flor e Mangueira, mas inegavelmente criativas, além de fantasias que eram de facílima leitura.
A comissão de frente liderada por Deborah Colker agradou na coreografia que remeteu ao filme “Metropolis” – os integrantes dançavam com guardas-chuvas em meio a portas espelhadas. O criativo abre-alas tinha ondas gigantes simbolizando a chegada dos portugueses e na traseira a construção de uma oca em tempo real (foto). Gostei da alegoria “O Império – Arquitetura Neoclássica”, toda em dourado e com ótima iluminação.
Outra alegoria que deixou ótima impressão foi a que mostrava uma favela com muros grafitados, tijolos, lajes e tudo mais. Mas a grande sensação foi o carro que homenageava o arquiteto Oscar Niemeyer (que aos 98 anos não conseguiu desfilar) e mostrava ainda (foto) o famoso museu de arte contemporânea de Niterói, cidade da agremiação – um trecho do agradável samba-enredo dizia “E fez cidade sem igual / Museu como nave espacial”.
O samba-enredo, diga-se de passagem, chegou de mansinho mas acabou crescendo muito na avenida, graças à sempre eficiente parceria formada pelo cantor Dominguinhos e a bateria de Mestre Ciça, que imprimiu um andamento veloz mas correto. A exuberante Juliana Paes outra vez foi a rainha de bateria e confirmou sua identificação com a escola.
A Vermelho e Branco encerrou seu desfile mostrando como seria a concepção da casa do futuro, com robôs e cachorro “voando” com o dono. Em meio ao equilibrado desfile de 2006, a Viradouro era outra escola candidata ao caneco, até porque teve uma evolução sem sobressaltos e os componentes cantaram com empolgação.
Já a Mocidade Independente de Padre Miguel não fez uma apresentação das melhores. A Verde e Branco levou para a avenida um enredo (patrocinado por uma marca de margarina) que misturava as comemorações pelo cinquentenário da escola e a luta do homem pela qualidade de vida. A verdade é que o tema “A vida que pedi a Deus” não foi bem compreendido pelo público, já que na visão da escola quatro guerreiros do apocalipse iriam ao futuro para resgatar um mundo novo de prosperidade.
Gostei da divisão cromática escolhida pelo carnavalesco Mauro Quintaes, que valorizou muito as corres da escola e usou muita tecnologia em bonitas alegorias. Mas a verdade é que na soma dos dez quesitos a escola não conseguiu brilho. O samba, novamente cantado por Wander Pires, também não rendeu e a Mocidade fez aquele típico e frio desfile de meio de tabela. O futuro melhor que a Mocidade desejava pelo menos para ela parecia apenas um sonho distante.
Já a Unidos da Tijuca confirmou as expectativas depois de dois vice-campeonatos e fez mais um desfile capaz de brigar pelo título. Com mais um enredo abstrato chamado “Ouvindo tudo o que vejo, vou vendo tudo o que ouço”, o carnavalesco Paulo Barros encantou o público, mesclando as já famosas “alegorias humanas” com elementos criativos em concepção.
As sensações que as imagens e sons despertam no homem renderam uma apresentação magnífica, que conquistou o público. Isso, apesar de um curioso contraste entre um visual sensacional e uma trilha sonora, leia-se samba-enredo, que não era das mais melódicas ou vibrantes. De qualquer forma, desde o início a Tijuca brilhou. A começar pela comissão de frente, cujos componentes estavam fantasiados de Mozart seguravam placas que simbolizavam teclas de piano tocadas por um dos integrantes.
O abre-alas foi no melhor estilo Paulo Barros, com dezenas de componentes fazendo uma bela coreografia simulando a regência de uma orquestra cercados por gramofones. Mas o mais criativo foi cada integrante segurando placas que ora representavam um disco de vinil, ora uma roleta com os gêneros musicais de outro e por fim rostos de grandes músicos. Pena que em determinado momento, um integrante ou outro errou o momento de segurar uma placa, o que quebrou a coreografia e poderia ser fatal na apuração.
Outra “alegoria humana” era “A Ópera do Carnaval”, que prestou uma singela homenagem às 14 escolas do Grupo Especial. Os componentes formavam uma escada e agitavam bandeiras de todas as agremiações num belo efeito. Um carro representou os fuscões pretos e tinha um componente fantasiado de Chacrinha no topo.
A citação ao cinema, tão presente nos trabalhos de Paulo Barros, não ficou fora do enredo, que mostrou a sensação que o público teve quando do filme “E.T.”, quando o personagem principal andava de bicicleta no céu. O elemento ficou muito bem realizado e foi o grande destaque da apresentação tijucana.
As fantasias também estavam criativas, com destaque para o figurino da porta-bandeira Lucinha Nobre, cuja saia tinha um enorme CD. Além disso, aplausos para os componentes do carro “Discoteca”, que tinha Elvis Presley e Freddie Mercury bem caracterizados, assim como diversos dançarinos típicos da década de 70 com direito a cabelos black power.
A bateria esteve mais cadenciada do que em outros anos e a Tijuca deixou a avenida sob gritos de “é campeã!”. Definitivamente com a afirmação de Paulo Barros como um dos grandes carnavalescos do Brasil, a escola do Borel estava consolidada como uma das mais fortes da época.
Pouco antes do amanhecer o Império Serrano fez uma agradável apresentação com o enredo “O Império do Divino”, que mostrava a diversidade religiosa do Brasil. A escola não tinha os mesmos recursos das poderosas da época, mas se apresentou com alegorias e fantasias de qualidade e que contaram bem a proposta apresentada pelo carnavalesco Paulo Menezes.
Mesmo com uma chuvinha chata, a Verde e Branco mostrou toda a sua tradição e categoria nos quesitos de pista, com o melhor samba-enredo do ano e uma bateria extraordinária comandada por Mestre Átila. Pena que pequenos descompassos em evolução e harmonia comprometeram um pouco a apresentação da Verde e Branco da Serrinha, que, no entanto, se candidatou a uma vaga no desfile das campeãs.
Gostei muito da “cabeça” da escola, formada por uma comissão de frente representando “Os Caminhos da Fé” e suas romarias com belíssimos figurinos em dourado e um tripé muito bem realizado. Paulo Menezes utilizou um lindíssimo “pede passagem” em branco e prateado e o abre-alas representava “O Divino, um auto de fé. O segundo carro era maravilhoso, chamado “Cortejos: dos altares às praças”, e tinha ótima coloração em dourado e jogo de luzes.
Os principais movimentos religiosos do Brasil foram lembrados, como a Folia de Reis, além de religiões como Umbanda e Candomblé (estes na alegoria “Cultos Afros, Cultos Negros”) e a devoção a Padre Cícero, este representado numa simples mas belíssima alegoria, com uma linda escultura em branco do Padim. O Império encerrou seu desfile com a velha guarda numa outra bela alegoria que tinha um enorme São Jorge em cima de seu cavalo e lembrava outros grandes imperianos como Mestre Fuleiro e Roberto Ribeiro. Ótimo momento do querido Império – infelizmente, o último no Grupo Especial.
Depois dos tristes acontecimentos de 2005, a Portela encerrou os desfiles de 2006 com uma apresentação bastante digna. Ainda sob chuva, a prateada águia passeou pela avenida para levar ao público o enredo “Brasil marca tua cara e mostra para o mundo”, dos carnavalescos Amarildo de Mello e Ilvamar Magalhães. A ideia surgiu de uma pesquisa com turistas sobre o que há de melhor no Brasil e a resposta foi direta: os brasileiros.
Embalados por um ótimo samba-enredo conduzido pelo estreante Gilsinho e por uma excelente bateria, os componentes cantaram com empolgação e proporcionaram uma harmonia perfeita. A evolução da escola esteve boa na maior parte do desfile, mas houve um descompasso no último módulo, o que deveria render alguma perda de pontos. O conjunto visual esteve bem concebido, mas a chuva acabou afetando um pouco as fantasias por causa da água nas plumas.
As alegorias passavam bem a proposta do enredo, com destaque para o carro “A conquista do paraíso”, que mostrava o começo da formação do povo brasileiro. Já o último carro alegórico homenageava os brasileiros que demonstravam “alegria, felicidade e competência” e havia uma escultura homenageando Ayrton Senna com capacete e tudo, mas o elemento não me agradou tanto em concepção.
A Portela encerrou o desfile com a sensação de missão cumprida, pois não havia o menor risco de descenso e uma vaguinha no sábado das campeãs não estava completamente descartada, já que nos quesitos a Majestade do Samba passou bem.
Recomendado por
Rony
Recomendado
REPERCUSSÃO E APURAÇÃO
Após os desfiles, ninguém era capaz de apontar com convicção quem seria a campeã, tamanho o equilíbrio entre as apresentações, tanto em qualidades como em defeitos. A Unidos da Tijuca conquistou o Estandarte de Ouro de melhor escola, mas Mangueira e Viradouro também eram apontadas como fortes candidatas ao campeonato, com Beija-Flor e Vila Isabel com chances nessa briga. Já a Grande Rio chegaria à apuração com menos 0,2 pelo estouro de um minuto na cronometragem.
A apuração começou com Império Serrano e Grande Rio somando 40 pontos em Bateria. A escola de Caxias também teve quatro dez em Enredo, mas, em Conjunto, a Tricolor acabou perdendo décimos preciosos, e a apuração ficou equilibradíssima. No mesmo quesito, a Mangueira levou um discrepante 9,5 do julgador Lula Vieira, sendo que os outros três julgadores deram notas 10 – o jurado alegou problemas na divisão cromática da escola, um absurdo.
Mas causaram ainda mais polêmica as notas do julgador Benvindo Siqueira em Harmonia. Num quesito em que se analisa o entrosamento entre os desfilantes e o cantor, o jurado praticamente alijou Mangueira e Unidos da Tijuca da briga pelo título. Para a escola do Borel, ele aplicou 9,5 sob a alegação de malsonância no verso “Tijuca ganha” do samba-enredo e eufonia no verso “Minha Tijuca” (“minhá Tijuca”). Para a Verde e Rosa, Benvindo deu 9,6 por uma falha na bateria. Questionou-se, então, o jurado por ele despontuar as escolas em aspectos de outros quesitos como samba e bateria.
A Tijuca também foi canetada no quesito Alegorias e Adereços (dois 9,7 e um 9,8) e teve até a vaga no sábado das campeãs ameaçada. Na frente, a disputa era surpreendentemente apertada entre Grande Rio e Vila Isabel, com Viradouro e Mangueira tendo chances remotas e a Beija-Flor já afastada da briga depois de um 9,5 em Enredo.
Inacreditavelmente em Evolução a Grande Rio levou três notas dez e apenas um 9,8, sendo que a escola esteve muito lenta no começo e muito rápida no fim do desfile. Com isso, a Tricolor chegou ao último quesito (Samba-enredo) com 0,1 de frente para a Vila Isabel e 0,3 para a Viradouro. Logo no primeiro jurado, a Tricolor perdeu 0,2 e a Azul e Branco levou dez para assumir a liderança. A tensão continuou até a última nota, pois a Grande Rio recebeu dez e a Vila levou 9,9, o que deixou as duas escolas com a mesma pontuação (397,6). Mas por ter perdido apenas 0,1 no último quesito, a escola de Noel conquistou seu segundo título no desempate.
A Viradouro terminou em terceiro lugar, com a Mangueira em quarto, a Beija-Flor discretamente em quinto e a Tijuca numa decepcionante e contestada sexta posição. A Portela obteve um alentador sétimo lugar depois dos problemas de 2005, à frente do Império Serrano. O Salgueiro pagou o preço de ter sido a primeira a desfilar e ficou num injusto 11º lugar, logo atrás de Imperatriz e Mocidade. Caíram a Caprichosos de Pilares e a Acadêmicos da Rocinha, apesar dos sérios problemas enfrentados pelo Porto da Pedra em seu desfile.
RESULTADO FINAL
POS.
ESCOLA
PONTOS
1º
Unidos de Vila Isabel
397,6
2º
Acadêmicos do Grande Rio
397,6
3º
Unidos do Viradouro
397,2
4º
Estação Primeira de Mangueira
397,1
5º
Beija-Flor de Nilópolis
397,1
6º
Unidos da Tijuca
396,7
7º
Portela
393,2
8º
Império Serrano
391,9
9º
Imperatriz Leopoldinense
391,9
10º
Mocidade Independente de Padre Miguel
390,5
11º
Acadêmicos do Salgueiro
388,9
12º
Unidos do Porto da Pedra
385,5
13º
Caprichosos de Pilares
383,5 (rebaixada)
14º
Acadêmicos da Rocinha
371,7 (rebaixada)
No Acesso A, a Estácio de Sá, reeditando o samba-enredo “Quem é você?”, de 1984, conquistou o título e conseguiu uma vaga no Grupo Especial depois de longos dez anos. Numa apuração apertada, a Estácio terminou 0,2 à frente da São Clemente, que homenageou Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. Caíram Vizinha Faladeira e Alegria da Zona Sul.
No Grupo B, o título ficou com o Império da Tijuca, também com uma reedição: “Tijuca, cantos, recantos e encantos”, de 1986 – diga-se de passagem, um sambaço! O vice-campeonato ficou com o Paraíso do Tuiuti, enquanto infelizmente a Unidos da Ponte foi rebaixada para o Grupo C.
Neste, o campeonato ficou com a Unidos de Padre Miguel, que subiu com a Sereno de Campo Grande. No Acesso C de 2006 – o equivalente à quarta divisão – desfilaram diversas agremiações que passaram pela elite nas décadas de 80 e 90 como Unidos do Cabuçu, Unidos do Jacarezinho, Unidos de Villa Rica e Leão de Nova Iguaçu.
Recomendado por
Rony